LEONARDO MARTINS

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BARRA DA TIJUCA - DE SONHO DOURADO À PARADOXO MODERNO

PUBLICADA NO SITE SOBRETUDO NEWS EM 18 DE JANEIRO DE 2012


Tentando fugir um pouco da linha de contestação aos nossos inúmeros problemas urbanos e buscando entender um pouco mais os rumos da cidade, resolvi falar do nosso bairro mais controverso – Barra da Tijuca.
De imenso areal a Barra se tornou modelo de bairro modernista, sendo filha de mesmo pai que Brasília – Lucio Costa, e tendo seu plano piloto projetado nos mesmo moldes que a capital federal. Na ocasião da iniciativa de expansão da cidade rumo à zona oeste, de forma ordenada e planejada, assim pensava o então governador Negrão de Lima:

“tal planejamento não poderia resultar do raciocínio frio de computadores (...) Trouxemos Lucio Costa com a certeza de que o seu gênio criaria um Rio mais humano, aliando a beleza selvagem da Baixada às necessidades e ao progresso da cidade que explodirá nos próximos 30 anos” (COSTA, 1969: 1).


Tal plano - Plano-Piloto para a Urbanização da Baixada Compreendida entre a Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e Jacarepaguá - tem duas facetas principais: a primeira é que o mesmo vem a agregar, pela primeira vez, uma abordagem que leva em consideração o meio ambiente – desconsiderado por todos os planos urbanos até então. Visava preservar a geografia do lugar, suas praias, as dunas, restingas e lagoas visto que era uma das últimas áreas disponíveis para a expansão da cidade. Em contrapartida, a outra faceta do plano é o fato do mesmo ser claramente baseado no modelo americano – extremamente dependente do carro – onde o foco da escala deixa de ser o homem e passa a ser o veículo.
Apesar do apelo do Plano de Lúcio Costa, o grande impulso para a efetiva urbanização foi a abertura da autoestrada Lagoa-Barra na década de 1970, que facilitou a chegada de novos moradores e a ligação com a Zona Sul e o Centro da cidade. Até então, apenas o Jardim Oceânico, a Barrinha e Tijuca Mar estavam em processo de ocupação e apresentavam as mesmas características de bairros como Leblon e Ipanema – características essas, que se tornam ainda mais evidentes nos dias de hoje.
Na segunda metade da década de 70 acontece a implantação dos primeiros “Condomínios Fechados” exatamente localizados onde o Lúcio Costa havia determinado em seu plano e chamado de núcleos urbanos: que associavam moradias com serviços. Esses Condomínios marcam uma nova forma de se viver na cidade, aliando a privacidade à segurança e à concentração próxima de serviços. Os primeiros núcleos foram os condomínios Novo Leblon e Nova Ipanema obedecendo todas as regras de implantação e afastamentos.
A união destes conceitos, mais o crescimento rápido e em muitos casos o desrespeito ao plano proposto é responsável pelo que temos hoje. A segurança vendida na construção dos condomínios criou uma atmosfera de cidade dentro da cidade. Os condomínios ofereciam aos seus moradores tudo aquilo que a cidade formal não era capaz de dar, segurança, conforto, iluminação pública de qualidade, destino ao lixo e até transporte incluído para o centro da cidade.
Lembro a primeira vez que entrei em um destes condomínios, já era início da década de 90, mas o estranhamento pra mim foi impar. Grandes espaços comuns, jardins, piscinas, quadras – na minha cabeça de criança a impressão que tive era a de morar em um clube. Mas estranhava a pouca utilização daquilo tudo. Costumava frequentar um clube em Botafogo que ficava sempre cheio e por isso, não entendia como poderia haver “clubes” com tantos “moradores” e não ter ninguém na piscina, nas quadras e nem nos corredores.
Não precisamos pensar muito pra entender o grande boom de condomínios fechados nas décadas de 80 e 90. Muitas famílias das Zonas Sul e Norte migraram pra lá. Para a população da Zona Norte foi o chamado sonho dourado, pois grande parte dos serviços básicos oferecidos em seus bairros eram muito precários – excetuando aí a Tijuca e o Meier que eram os bairros principais e grandes centros. Muita gente foi pra lá e muita gente voltou também. A experiência de morar na Barra é completamente diferente de qualquer outro bairro do Rio de Janeiro. Não são muitas as relações interpessoais, nem há muitas oportunidades para que elas aconteçam. As pessoas não se encontram, e quando isso ocorre, não se cumprimentam. Nos espaços comuns fazem de tudo para não se esbarrar.
Tudo aquilo que vemos nos bairros da Zona Sul e mais ainda na Zona Norte não se repete na Barra – apenas naquelas regiões que “fugiram” do plano. As pessoas foram pra Barra procurando segurança e privacidade, ao ponto de evitarem corredores e elevadores cheios. Um bairro sem encontros, sem esquinas. E um bairro sem esquinas é um bairro sem vida, sem alma. Não há interações, não há trocas, há apenas veículos em alta velocidade e pedestres que correm para pegar condução, indo e vindo de suas casas ou trabalhos, cansados, tensos ou atrasados. Não estão à passeio, despreocupados, à desfrutar do bairro. Não existe o espaço que convida ou que recebe. Este espaço fica atrás das grades e dos muros, fica dentro dos condomínios onde tudo é mais seguro, onde tudo é mais limpo e organizado.
O grande “alavancamento” da barra esta atrelado a outros condicionantes que nada tem a ver com o conceito moderno. Boa parte do aparente "sucesso" veio do fato da cidade formal em muitas de suas regiões não conseguir fornecer serviços de qualidade, fazendo com que seus moradores de melhores condições financeiras migrem para um lugar onde estes serviços existam - sejam fornecidos pelo estado, pelo condomínio ou quem quer que seja. Além disso, a Barra junto com o Recreio era o último pedaço de terra de frente para o mar disponível para a exploração desmedida e especulação imobiliária nossa que consome nossas orlas. A Barra era o que tínhamos de mais “moderno”, com reais perspectivas de crescimento e com preços e condições acessíveis às mais diversas camadas da população.
Mas esse crescimento sem um devido acompanhamento e ordenamento teve um preço – e um preço caro: Congestionamentos. A previsão do Lucio Costa para a construção do que ele chamou de Centro Metropolitano da Barra não aconteceu, e um dos maiores percalços foi a manutenção dos centros financeiro e empresarial no Centro do Rio de Janeiro. Isso fez com que em pouco tempo as ligações da Barra estivessem saturadas e suas entradas e saídas ficassem sempre congestionadas. Se pararmos para uma analise mais criteriosa, não precisaríamos ser urbanistas para entender o que poderia ser chamado de condição matemática: um local onde para circular é extremamente necessária a utilização de carros e que se adensa e cresce a passos largos, se não investirmos em iguais proporções no aumento e alargamento de suas vias, em algum momento, as mesmas não vão mais suportar o aumento constante de fluxo. Dito e feito.
Olhando para trás vemos que muito pouco se fez para contornar essa situação. As linhas de metrô previstas (No plano de Lúcio Costa havia previsão de uma linha ligando a Barra até a ilha do fundão e previa que a oferta de transportes deveria aumentar gradativamente) não foram concretizadas. Criou-se um gargalo, com poucas saídas e muita gente circulando em carros de passeio muitas vezes vazios. A construção da Linha Amarela desafogou por um tempo, mas já vive parada em muitos horários, não só nos de pico. Os BRTs vêm como nova solução, mas já muito tardia, e claramente não a melhor. Estamos sempre atrasados e escolhendo soluções obsoletas e “tapa buracos”. Estamos tão acostumados ao quase colapso do sistema que o simples fato de conseguirmos adia-lo já nos satisfaz.
É evidente que devemos planejar os espaços, sejam quadras, bairros ou até cidades e, nos dias de hoje, é impensável fazer isso tendo o automóvel como ator principal. Não estou desta forma querendo comparar hoje com 1969, era outra época, outros parâmetros e paradigmas. O carro era sinônimo de sucesso e ascensão social (ainda que com um pouco de perspicácia entende-se que tudo isso não se passou de uma jogada muito bem sucedida de montadoras e grandes fabricantes de pneus americanas). Enquanto hoje criamos estratégias para limitar a circulação de carros e pensar alternativas de deslocamento mais sustentáveis, antigamente isso era algo impensável. Precisamos sim mudar o foco do nosso planejamento. Isso já acontece em muitas cidades do mundo. Facilitar e incentivar meios de transportes mais sustentáveis, investir em transporte de massa de qualidade e confiabilidade.
Só assim conseguiremos diminuir nossos problemas de transporte. E assim, quem sabe, sobra um tempo pra tomar uma cerveja depois do expediente sem se preocupar com as muitas horas perdidas no trânsito ou ainda, quem sabe, tomar um café antes do trabalho por ter chegado um pouco antes da hora... E esta demanda talvez faça surgir um café ou uma cervejaria onde antes era uma concessionária de veículos ou um vazio urbano. Quem sabe assim, tomando uma cerveja ou um café e lendo um jornal, não puxemos um assunto com alguém da mesa do lado, ou com o garçom... Quem sabe assim deixemos de ser tão “modernos”.



Fato curioso:
Em maio de 2000 o deputado Albano Reis tentou uma manobra de emancipação da Barra, São Conrado, Jacarepaguá e Recreio:
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro99.nsf/4d633dd91fb4d668832567040007dd93/ed11a4fd3d79f0c2032568e9005c9a42?OpenDocument
Foi arquivada poucos meses depois.



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